Thursday, November 01, 2007

Sobre, ou melhor sob o sol escaldante

01
O velho e surrado ônibus amarelo da viação Ouro Verde deslizava a rodovia D.Pedro debaixo do escaldante sol do meio-dia. Não, talvez o relógio já marcasse treze horas, mas o calor alaranjado de cidade do interior teimava em presentear a vida com um sol de meio-dia. Suava. Aquele homem surgira do nada.Era moreno, alto, forte de ombros robustos.Acho que tinha uns 30, 40 anos.Ou mais, não sei.Só sei que ele surgira de lugar algum. Perambulava cabisbaixo pelo acostamento da rodovia de asfalto quente.Levanta a cabeça e ergue o braço. Sinal pro ônibus parar. O motorista, mesmo com a proibição de coletar passageiros fora do ônibus pára.
"Como poderia deixar uma pessoa no meio de uma estrada. E ainda com aquele sol quente!!! Como poderia? É não ter coração!!"
Abre-se a porta.Plac!! Um saco plástico transparente é lançado pra dentro do ônibus.
"Estes são os meus documentos.Vou me matar.Obrigado por parar motorista"
Calmamente o moço segue pela lateral do ônibus.Apesar dos passos calmos, os olhos e a pele seca exalavam pânico. O motorista levanta-se pálido.
"Esse moço vai se matar"
Os passageiros se assutam e levantam-se acompanhando o moço que atravessava as duas mãos da rodovia calmamente.Um, dois, três carros desviam enquanto mulheres e crianças gritavam assustadas no ônibus. O motorista, desesperado, grita para que o moço voltasse. O homem, que já atravessara a rodovia e entrava pela mata, virou-se. Olhou o motorista que acenava. Seguiu seu rumo. Ao pereceber a inutilidade de seus gritos o motorista corre atrás do moço, que já seguia pelo matagal de folhas altas e amareladas da área militar. O motorista adentra a mata, mas não encontra o moço. Tirei os fones do mp3, que nesse momento tocava sabe lá qual música (e quem poderia ouvir música naquela momento)e liguei para a polícia.
"Calma moça, já estamos indo aí"!!"Ele vai se matar, ele vai.Os olhos dele.Ele está deseperado..venha logo por favor".
Eles demoraram. Muito. Tanto que o ônibus teve que seguir, deixando o fiscal da empresa de ônibus com o saco com os documentos daquele senhor. No saco plástico, RG, Cartões de Crédito, carteira de trabalho e um curioso contrato de compra e venda de uma propriedade. Um contrato de compra e venda. O que ele queria dizer com isso. Qual a história que ele suplicava que entendessemos? Valdir. Tinha 35 anos. Era motorista de ônibus e mês passado recebeu aumento de salário.Era de Sergipe. Os contatos, telefones num pequeno papel era "de mãe", irmã, fulano...todos números com prefixo oitenta e alguma coisa. Talvez ele fosse só. Talvez quisesse voltar. Talvez não. E o contrato? O que era aquele contrato. Minha curiosidade segue. Não ficou pra trás junto com as imagens e sensações do sol escaldante daquele domingo seco. Se ele queria mesmo se matar? Concordo que não. Talvez ele só queria uma coisa, ele pedia...Socorro.